O recente reconhecimento de um meio ambiente saudável como parte dos direitos humanos universais pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas foi precedido por muita luta e empenho de especialistas da Organização, sociedade civil e ONGs, bem como de Estados-membros.

Desde a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente em 1972, quando o debate se iniciou, intensas negociações intergovernamentais, discussões e até seminários de especialistas foram promovidas nos últimos anos sobre a temática.

Embora não vinculante, a resolução do Conselho serve como catalisador para ações mais ambiciosas em todas as questões ambientais que enfrentamos, colocando os direitos humanos no centro da ação climática, da conservação, do combate à poluição e da prevenção de futuras pandemias.

criança salta poça de água na enchente
Legenda: Pelo menos 50 mil pessoas foram afetadas pelas enchentes na região de Gatumba, no Burundi, no ano passado
Foto: © Karel Prinsloo/UNICEF

No início de outubro (8), o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou a resolução 48/13 reconhecendo o acesso a um meio ambiente saudável e sustentável como um direito humano universal. Uma batalha travada por décadas por ativistas ambientais e defensores de direitos finalmente deu frutos, mas ainda existe uma longa jornada para assegurar o meio ambiente saudável a todos. O texto da resolução convida os países a trabalharem juntos, e com outros parceiros, para implementar esse avanço.

Com 43 votos a favor e 4 abstenções, uma vitória unânime se estabeleceu para aprovar o texto que cita os esforços de pelo menos 1.100 organizações da sociedade civil, crianças, jovens e povos indígenas que têm feito campanha pelo reconhecimento global, implementação e proteção do direito humano a um ambiente seguro, limpo, saudável e sustentável.

O começo – Em 1972, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente em Estocolmo, que terminou com uma declaração histórica, foi a primeira a colocar as questões ambientais na vanguarda das preocupações internacionais e marcou o início de um diálogo entre países industrializados e em desenvolvimento sobre a ligação entre o crescimento econômico, a poluição do ar, da água e do oceano e o bem-estar das pessoas em todo o mundo.

Os Estados-membros da ONU, naquela época, declararam que as pessoas têm o direito fundamental a “um ambiente de qualidade que permita uma vida com dignidade e bem-estar”, apelando a ações concretas. Eles pediram que o Conselho de Direitos Humanos e a Assembleia Geral da ONU agissem.

Desde 2008, as Maldivas, um pequeno Estado insular na linha de frente dos impactos das mudanças climáticas, vem apresentando uma série de resoluções sobre direitos humanos e mudanças climáticas e, na última década, sobre direitos humanos e meio ambiente.

No centro da agenda internacional – Nos últimos anos, o trabalho das Maldivas e nações aliadas, bem como do relator especial das Nações Unidas para os Direitos Humanos e Meio Ambiente e diversas ONGs, levou a comunidade internacional à declaração de um novo direito universal.

O apoio ao reconhecimento desse direito pela ONU cresceu durante a pandemia da COVID-19. A ideia foi apoiada pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, e pela alta-comissária para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, bem como por mais de 1.100 organizações da sociedade civil de todo o mundo. Quase 70 estados no Conselho de Direitos Humanos também adicionaram suas vozes a um apelo ao grupo central do Conselho sobre direitos humanos e meio ambiente para tal ação, e 15 agências da ONU também enviaram uma rara declaração conjunta defendendo a iniciativa.

“Uma onda de doenças zoonóticas emergentes, a emergência climática, a poluição tóxica generalizada e uma perda dramática de biodiversidade colocaram o futuro do planeta no topo da agenda internacional”, disse um grupo de especialistas da ONU em comunicado divulgado em junho deste ano, no Dia Mundial do Meio Ambiente.

Longa batalha – Para finalmente chegar ao voto e à decisão, o grupo central do Conselho conduziu intensas negociações intergovernamentais, discussões e até seminários de especialistas nos últimos anos.

“Existem pessoas que querem continuar o processo de exploração do mundo natural e não têm reservas em prejudicar as pessoas por isso. Portanto, esses oponentes muito poderosos impediram esta sala de avançar durante décadas”, apontou David Boyd, relator especial da ONU para Direitos Humanos e Meio Ambiente.

“É quase como uma história de Davi e Golias que todas essas organizações da sociedade civil foram capazes de superar essa poderosa oposição, e agora temos essa nova ferramenta que podemos usar para lutar por um mundo mais justo e sustentável ”, completou Boyd.

Um compromisso, um marco de luta – O relator independente, que não é funcionário da ONU, explicou que a resolução deve ser um catalisador para ações mais ambiciosas em todas as questões ambientais que enfrentamos. As resoluções do Conselho de Direitos Humanos não são juridicamente vinculativas, mas contêm fortes compromissos políticos.

De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o reconhecimento do direito a um meio ambiente saudável em nível global apoiará os esforços para enfrentar as crises ambientais de forma mais coordenada, eficaz e não discriminatória, ajudará a alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), fornecer maior proteção dos direitos e das pessoas que defendem o meio ambiente, e ajudar a criar um mundo onde as pessoas possam viver em harmonia com a natureza.

Direitos humanos e meio ambiente são indissociáveis – O meio ambiente é uma das maiores preocupações das Nações Unidas. Além do Conselho de Direitos Humanos, outras agências da ONU já indicam dados alarmantes sobre os efeitos das mudanças climáticas na dignidade humana.

manifestante segura cartaz onde se lê: Não existe um planeta B
Legenda: O reconhecimento pelo Conselho de Direitos Humanos é fruto de uma batalha travada por décadas por ativistas ambientais e defensores de direitos
Foto: © Mídia Ninja

O Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas (WFP), em um recente estudo, mostrou que um aumento de 2°C na temperatura global média em relação aos níveis pré-industriais levará um adicional de 189 milhões de pessoas para uma situação de fome. O último relatório do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC) revelou que, no ritmo atual, a meta de 2°C deve ser extrapolado antes mesmo do fim deste século

Já a Organização Meteorológica Mundial (OMM), reportou que, em 2020, a América Latina e o Caribe experimentaram eventos climáticos que afetaram o meio ambiente e tiveram um impacto profundo na saúde humana. Pelo menos 312 mil vidas foram perdidas na região devido às mudanças climáticas entre 1998 e 2020. A agência metereológica da ONU também apontou recentemente que até 2030 118 milhões de pessoas extremamente pobres no continente africano estarão expostas à seca, inundações e calor extremo. E a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece que as mudanças climáticas já são a maior ameaça à saúde humana.

Longo caminho pela frente – A resolução do Conselho inclui um convite à Assembleia Geral da ONU para também considerar o assunto. O relator especial David Boyd disse estar “cautelosamente otimista” de que o órgão aprovará uma resolução semelhante no próximo ano.

“É por isso que esta resolução é extremamente importante, porque diz a todos os governos do mundo ‘você tem que colocar os direitos humanos no centro da ação climática, da conservação, do combate à poluição e da prevenção de futuras pandemias’”, afirmou o especialista em Direitos Humanos.

O recém-declarado direito a um meio ambiente saudável e limpo também deve influenciar positivamente as negociações durante a próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), em Glasgow, que foi descrita pelo chefe da ONU como a última chance de ‘virar a maré’ e acabar com a guerra contra nosso planeta.

Sobre o Conselho de Direitos Humanos – O Conselho de Direitos Humanos é um órgão intergovernamental dentro do sistema das Nações Unidas responsável por fortalecer a promoção e proteção dos direitos humanos em todo o mundo e por abordar situações de violações de direitos humanos e fazer recomendações sobre elas.

O Conselho é composto por 47 Estados-membros da ONU eleitos por maioria absoluta na Assembleia Geral, que representam todas as regiões do mundo.

As resoluções do Conselho de Direitos Humanos são “expressões políticas” que representam a posição dos membros do Conselho (ou da maioria deles) sobre questões e situações particulares. Esses documentos são redigidos e negociados entre nações com o objetivo de promover questões específicas de direitos humanos.

Geralmente provocam debates entre Estados, sociedade civil e organizações intergovernamentais; estabelecem novos ‘padrões’, linhas ou princípios de conduta; ou refletem as regras de conduta existentes.

As resoluções são elaboradas por um “grupo central”. No caso da resolução 48/13, Costa Rica, Maldivas, Marrocos, Eslovênia e Suíça foram os países que trouxeram a discussão para adoção, reconhecendo pela primeira vez que ter um ambiente limpo, saudável e ambiente sustentável é de fato um direito humano.

Papel dos relatores da ONU – Os relatores especiais são nomeados pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU para monitorar questões específicas relacionadas ao cumprimento dos direitos humanos. Eles não são funcionários da ONU, nem recebem um salário da Organização.

Fonte: ONU Brasil

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